ANDRE CARNEIRO: CONFISSOES DE UM GRANDE ESCRITOR
Não é difícil compreender porque André Carneiro
é um dos maiores escritores do Brasil. Não tem a fama de outros protegidos
pelos meios de comunicação, mas leva uma trajetória literária invejável. Contudo, é mais conhecido no exterior que no seu próprio país, elogiado por críticos notáveis como o francês Bernard Diez "como um dos maiores poetas vivos do Brasil".
Descriminado, é “acusado” de ser um escritor de
ficção-científica, gênero marginal para os doutos literatos e ortodoxos da
literatura em geral. André Carneiro abre suas fronteiras ao chamado realismo-fantástico,
à poesia e à transmissão de sentimentos e situações que estabelecem um vínculo
entre o cotidiano e o, aparentemente, irreal.
Conhecendo pessoalmente a este extraordinário
escritor, encontrei muitos de seus aspectos biográficos distribuídos ao logo do
seu livro “Confissões do Inexplicável” (Devir Livraria, Brasil-Portugal, 2007,
com introdução de Dorva Rezende).
Nesta breve postagem para meu blog, somente vou
comentar um dos muitos contos que preenchem quase 600 páginas deste livro: “Solidariedade:
o vírus sub-reptício”. Inevitável, ao lê-lo, pensar no célebre filme “O dia em
que a Terra parou” e outros relatos clássicos da boa ficção-científica.
Já na primeira página, André Carneiro nos fala
de “milhões de aidéticos espalhando a sua desgraça ou lutando para prolongar a
vida ameaçada, já eram rotina, os legisladores não sabiam o que fazer com as
crianças assassinando adultos, e como alimentar os esfomeados se milhos de
dólares eram usados para pagar misteriosos juros de uma dívida assumida pelas
faces desconhecidas daqueles que sempre tiveram dinheiro”.
Crítica mordaz a uma situação sobre a qual
escreveu há quase uma década, mas que não mudou absolutamente nada. Também diz:
“No Rio de Janeiro ainda morriam mais pessoas baleadas, com sólidos e visíveis
pedaços de chumbo rasgando artérias, do que aqueles que deixavam de respirar, inexplicavelmente
donos de um corpo saudável”, referindo-se a uma estranha doença que assola
nosso planeta em um presente ou futuro indefinidos, o chamado vírus
sub-reptício.
Os doutores Lúcia e Nelson se enfrentam a incompreensão
dos demais médicos e autoridades brasileiras e acabarão vivendo uma aventura
que os levará até Brasília e Washington. Homens- de-negro - visitantes de
outros mundos - estão presentes neste conto que nos leva a refletir sobre o
sentido da “solidariedade”.
Sobre esta palavra André nos conta o seguinte: “Pregar
solidariedade em uma população que assaltava supermercados, recebia a bala
qualquer visita inesperada, que morriam de fome nos subterrâneos do metrô, que
tinha soldados policiando as ruas...Qual misteriosa solidariedade queria aquele
alienígena ensinar, para curar uma doença?”
A resposta a esta e outras questões estão na
recomendável obra de André Carneiro, tal como comentei ao princípio, marginalizado
pela imprensa e pelos figurões da literatura brasileira mas, sem dúvida, um dos
mais lúcidos e perspicazes autores da língua portuguesa atual.
Pablo Villarrubia Mauso
Madrid, 21 de novembro de 2012